Foto por Uirá Lourenço

Informalidade e sobrevivência: a luta cotidiana dos ambulantes da Rodoviária do Plano Piloto

Por – André Andrade, Eduarda Ayres e Lucas Oliver

Há uma regulamentação efetiva?

Rodoviária do Plano Piloto: um tumultuado ponto de encontro entre passageiros e vendedores. Em meio à correria das milhares de pessoas que circulam pelo lugar, não tem como passar despercebido pela movimentada feira livre, que transforma o ambiente em um “shopping de chão”. É preciso circular, montar e desmontar diariamente. Anunciando seus produtos em voz alta, com suas barracas improvisadas e mercadorias empilhadas, os ambulantes esperam atentamente pelos passageiros apressados.    

São brinquedos, roupas, perfumes, acessórios, alimentos e até eletrônicos, tudo  vendido sem nota fiscal. Porém os ambulantes por conta de situações adversas já se adaptaram a esse ambiente agitado. Com seus olhos em alerta o tempo todo, estão prontos para fugir da fiscalização a qualquer momento.

Recentemente, uma ação do DF Legal com apoio da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) contra os comerciantes no local ganhou grande repercussão devido ao uso desproporcional da força por parte dos policiais. Segundo levantamento parcial, na ação foram apreendidos mais de 2 mil itens comercializados de maneira irregular pelos ambulantes na rodoviária. 

Claudiane Nazaré Silva teve arma apontada para o rosto nesta abordagem que repercutiu. A vítima que trabalha há sete anos vendendo roupas na rodoviária, relata que o momento foi apavorante e traumático. “Eles vieram com muita brutalidade. Foi horrível. Sinceramente, eu achava que iria morrer mesmo. Infelizmente nossa categoria é vista como criminosa”. 

Essa angústia ocorre repetidamente, até porque, a necessidade de fuga já virou uma forma de sobrevivência. Cada movimento é calculado para garantir a continuidade de seu trabalho. “Às vezes a gente sobe as escadas correndo, atravessamos a pista correndo para tentar salvar a mercadoria, então, de certa forma, a gente coloca nossa vida em risco”, relata Claudiane.

A PMDF justificou a ação e disse, em nota, que “atuou em apoio ao DF Legal, em fiscalização de ambulantes ilegais na área da Rodoviária do Plano Piloto”. Afirmou também que a corporação não coaduna com desvios na conduta e todo excesso quanto à conduta dos policiais militares seria apurado. 

O administrador da Rodoviária do Plano Piloto, Josué Martins, pontuou a necessidade de trazer uma ação mais efetiva para a rodoviária. “A gente vem conversando com eles. Chegou um ponto que o governador do DF, Ibaneis Rocha, entendeu que nós tínhamos que desobstruir as plataformas da rodoviária, porque as pessoas não estavam tendo locomoção aqui dentro, a mobilidade estava quase impossível”. 

Josué explica que há muita resistência por parte dos ambulantes. “Eles ainda resistem. Nós estamos chamando para a conversa, não queremos confronto com ninguém, sem agressão física. Muito pelo contrário, queremos essas pessoas bem e do nosso lado, para que possam ganhar seu dinheiro e ter uma condição de vida melhor”.

Além da repercussão negativa em relação às forças policiais, a ação levantou questões a respeito da questão estrutural e o motivo central social do porquê estes atores permanecem nesta atividade.

É preciso entender que, por trás desse cenário aparentemente caótico, existem histórias de luta e desafio. Os vendedores ambulantes enfrentam estigma social, muitas vezes associado a pequenos crimes e à qualidade dos produtos que oferecem. A informalidade de suas atividades também os torna vulneráveis, sem direitos trabalhistas e proteção legal adequada.

Em busca de um socorro para a situação, o sindicato da categoria diz que há  projetos para tirar os ambulantes da informalidade e que mesmo em meio às ações,   há resistência por parte dos comerciantes para a entrada no mercado de forma legal. O presidente do Sindicato do Comércio de Vendedores Ambulantes do Distrito Federal (Sindvamb-DF), Bartolomeu Martins, afirma que a dificuldade é originária do próprio  exercício dos comerciantes de não querer cumprir critérios legais. 

“Eles precisam se adequar. O governo criou várias iniciativas junto com a Administração Regional da rodoviária. Insistindo em não atender nem a legislação e nem a gestão da rodoviária, essa atividade tem uma série de irregularidades. Com a negativa deles, o governo tem que agir de forma que a lei seja cumprida. A rodoviária não comporta mais de mil ambulantes por dia.”

A presença de camelôs na movimentada Rodoviária do Plano Piloto é apenas um exemplo do panorama nacional. Dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram um aumento sem precedentes no número de trabalhadores informais, com o recorde de 39,129 milhões de pessoas no trimestre encerrado em maio de 2022. A significativa proporção de trabalho informal é testemunho da importância e complexidade do tema. Essa forma difícil e versátil de trabalhar tornou-se parte integrante da cultura e da vida cotidiana dos cidadãos.

Impacto no comércio formal

A crise ocasionada pela pandemia de covid-19 desencadeou efeitos negativos no mercado econômico, entre eles o aumento do desemprego e da taxa de informalidade. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), apenas 8,8% da economia paralela ocorre na rua, enquanto a maior parte ocorre em residências (27,3%) ou na casa dos clientes (27,5%). Sendo assim, o setor informal atrai consumidores pelos preços mais baixos dos produtos, já que muitos deles são produzidos e vendidos sem pagar impostos. Porém, esse cenário tem gerado algumas implicações para os negócios formais.

Os comerciantes informais podem oferecer produtos a preços mais baratos porque não pagam impostos e arcam com os mesmos custos operacionais que os comerciantes oficiais. A situação pode ser vista como ameaça à sobrevivência dos negócios formais, pois eles enfrentam custos e obrigações fiscais mais altos. Além disso, a economia paralela afeta diretamente o Produto Interno Bruto (PIB) porque muitos bens são produzidos e vendidos sem pagar impostos. Especialistas avaliam que a evasão fiscal da atividade causa perda de receita do estado, dificultando assim, o financiamento de serviços públicos essenciais, como saúde, educação e infraestrutura.

Apresentando algumas vantagens, como a renda imediata e autonomia, a modalidade informal também possui pontos negativos, é o que explica o economista César Bergo. O especialista pondera que a informalidade é uma questão de momento levada pela situação econômica e que é preciso ficar atento às desvantagens a longo prazo.

“A pessoa busca informalidade, mas realmente não é a solução. Do ponto de vista prático, a  informalidade é uma modalidade onde a pessoa não tem nenhuma cobertura social, então ela não recolhe INSS, ela não recolhe fundo de garantia, ela não recolhe fundos para a aposentadoria. Então ela fica sem ter uma reserva técnica para quando ela deixar de trabalhar para poder utilizar e sobreviver. Essa pessoa vai ficando mais velha, ela vai demandar esse serviço, e ela não contribuiu para isso. Então quem acaba pagando pelo atendimento dessa pessoa é a sociedade como um todo, por isso é ruim também para a economia”, explica o economista. 

Nesse contexto, um exemplo da disputa de venda pode ser visto nos espaços da Rodoviária do Plano Piloto, local onde se entrelaçam, nos espaços de circulação do local, os negociantes dos mercados formais e informais. Enquanto os quiosques legalmente estabelecidos pagam taxas e funcionam de acordo com a administração, em meio as filas de espera dos ônibus e por onde quer que circule pessoas, podemos observar uma realidade extremamente informal que desafia a concorrência dos comerciantes legalizados.

O gerente da loja Rei do Celular, Oriel Bezerra, conta que os ambulantes na porta de seu estabelecimento acabam impactando diretamente em suas vendas. “Eles trabalham numa margem que não pagam taxa de rateio, taxa de ocupação, aluguel, água, luz, imposto, funcionários, igual nós pagamos. Eles trabalham por conta própria, então a mercadoria deles se torna mais barata que a nossa. Eu acho que eles precisam trabalhar, mas não aqui. O espaço já está muito saturado com as lojas que já têm.” 

Para Mateus Alencar, dono da PPL Chaveiro e Conveniência, a concorrência com os ambulantes é extremamente desleal. “Eles impactam demais no nosso negócio. Como eu vou vender uma mochila, pagar imposto, pagar taxa de ocupação e o cara colocar na minha frente a preço de atacado? Não tem como. A taxa de ocupação aqui na rodoviária é caríssima, quase um preço de aluguel”, diz. 

Já para Natal do Nascimento, proprietário da loja Boa Viagem Souvenir, a problemática vem do governo e é compreensível as pessoas quererem trabalhar. “Tem que vender mesmo, porque todo mundo precisa de trabalho, precisa botar o pão de cada dia dentro de casa. Para mim os camelôs não atrapalham. Eu acho que o governo tem que botar aquelas tendas bem aqui na frente e levá-los para lá, fazer pelo menos uma tentativa. O governo tem dinheiro para isso.”  

Com o não pagamento de taxas, os vendedores não oficiais oferecem produtos a um preço mais barato, o que os torna uma escolha razoável para quem não pode ou deseja pagar menos nos produtos, estando assim, ligados também pelo público que circula no local.

Essa angústia ocorre repetidamente, até porque, a necessidade de fuga já virou uma forma de sobrevivência. Cada movimento é calculado para garantir a continuidade de seu trabalho. “Às vezes a gente sobe as escadas correndo, atravessamos a pista correndo para tentar salvar a mercadoria, então, de certa forma, a gente coloca nossa vida em risco”, relata Claudiane.

A PMDF justificou a ação e disse, em nota, que “atuou em apoio ao DF Legal, em fiscalização de ambulantes ilegais na área da Rodoviária do Plano Piloto”. Afirmou também que a corporação não coaduna com desvios na conduta e todo excesso quanto à conduta dos policiais militares seria apurado. 

O administrador da Rodoviária do Plano Piloto, Josué Martins, pontuou a necessidade de trazer uma ação mais efetiva para a rodoviária. “A gente vem conversando com eles. Chegou um ponto que o governador do DF, Ibaneis Rocha, entendeu que nós tínhamos que desobstruir as plataformas da rodoviária, porque as pessoas não estavam tendo locomoção aqui dentro, a mobilidade estava quase impossível”. 

Josué explica que há muita resistência por parte dos ambulantes. “Eles ainda resistem. Nós estamos chamando para a conversa, não queremos confronto com ninguém, sem agressão física. Muito pelo contrário, queremos essas pessoas bem e do nosso lado, para que possam ganhar seu dinheiro e ter uma condição de vida melhor”.

Além da repercussão negativa em relação às forças policiais, a ação levantou questões a
respeito da questão estrutural e o motivo central social do porquê estes atores permanecem nesta atividade.

É preciso entender que, por trás desse cenário aparentemente caótico, existem histórias de luta e desafio. Os vendedores ambulantes enfrentam estigma social, muitas vezes associado a pequenos crimes e à qualidade dos produtos que oferecem. A informalidade de suas atividades também os torna vulneráveis, sem direitos trabalhistas e proteção legal adequada.


Em busca de um socorro para a situação, o sindicato da categoria diz que há  projetos para tirar os ambulantes da informalidade e que mesmo em meio às ações,   há resistência por parte dos comerciantes para a entrada no mercado de forma legal. O presidente do Sindicato do Comércio de Vendedores Ambulantes do Distrito Federal (Sindvamb-DF), Bartolomeu Martins, afirma que a dificuldade é originária do próprio  exercício dos comerciantes de não querer cumprir critérios legais. 

“Eles precisam se adequar. O governo criou várias iniciativas junto com a Administração Regional da rodoviária. Insistindo em não atender nem a legislação e nem a gestão da rodoviária, essa atividade tem uma série de irregularidades. Com a negativa deles, o governo tem que agir de forma que a lei seja cumprida. A rodoviária não comporta mais de mil ambulantes por dia.”

A crise ocasionada pela pandemia de covid-19 desencadeou efeitos negativos no mercado econômico, entre eles o aumento do desemprego e da taxa de informalidade. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), apenas 8,8% da economia paralela ocorre na rua, enquanto a maior parte ocorre em residências (27,3%) ou na casa dos clientes (27,5%). Sendo assim, o setor informal atrai consumidores pelos preços mais baixos dos produtos, já que muitos deles são produzidos e vendidos sem pagar impostos. Porém, esse cenário tem gerado algumas implicações para os negócios formais.

Os comerciantes informais podem oferecer produtos a preços mais baratos porque não pagam impostos e arcam com os mesmos custos operacionais que os comerciantes oficiais. A situação pode ser vista como ameaça à sobrevivência dos negócios formais, pois eles enfrentam custos e obrigações fiscais mais altos. Além disso, a economia paralela afeta diretamente o Produto Interno Bruto (PIB) porque muitos bens são produzidos e vendidos sem pagar impostos. Especialistas avaliam que a evasão fiscal da atividade causa perda de receita do estado, dificultando assim, o financiamento de serviços públicos essenciais, como saúde, educação e infraestrutura.


Apresentando algumas vantagens, como a renda imediata e autonomia, a modalidade informal também possui pontos negativos, é o que explica o economista César Bergo. O especialista pondera que a informalidade é uma questão de momento levada pela situação econômica e que é preciso ficar atento às desvantagens a longo prazo.

“A pessoa busca informalidade, mas realmente não é a solução. Do ponto de vista prático, a  informalidade é uma modalidade onde a pessoa não tem nenhuma cobertura social, então ela não recolhe INSS, ela não recolhe fundo de garantia, ela não recolhe fundos para a aposentadoria. Então ela fica sem ter uma reserva técnica para quando ela deixar de trabalhar para poder utilizar e sobreviver. Essa pessoa vai ficando mais velha, ela vai demandar esse serviço, e ela não contribuiu para isso. Então quem acaba pagando pelo atendimento dessa pessoa é a sociedade como um todo, por isso é ruim também para a economia”, explica o economista. 

Nesse contexto, um exemplo da disputa de venda pode ser visto nos espaços da Rodoviária do Plano Piloto, local onde se entrelaçam, nos espaços de circulação do local, os negociantes dos mercados formais e informais. Enquanto os quiosques legalmente estabelecidos pagam taxas e funcionam de acordo com a administração, em meio as filas de espera dos ônibus e por onde quer que circule pessoas, podemos observar uma realidade extremamente informal que desafia a concorrência dos comerciantes legalizados.

O gerente da loja Rei do Celular, Oriel Bezerra, conta que os ambulantes na porta de seu estabelecimento acabam impactando diretamente em suas vendas. “Eles trabalham numa margem que não pagam taxa de rateio, taxa de ocupação, aluguel, água, luz, imposto, funcionários, igual nós pagamos. Eles trabalham por conta própria, então a mercadoria deles se torna mais barata que a nossa. Eu acho que eles precisam trabalhar, mas não aqui. O espaço já está muito saturado com as lojas que já têm.” 

Para Mateus Alencar, dono da PPL Chaveiro e Conveniência, a concorrência com os ambulantes é extremamente desleal. “Eles impactam demais no nosso negócio. Como eu vou vender uma mochila, pagar imposto, pagar taxa de ocupação e o cara colocar na minha frente a preço de atacado? Não tem como. A taxa de ocupação aqui na rodoviária é caríssima, quase um preço de aluguel”, diz. 

Já para Natal do Nascimento, proprietário da loja Boa Viagem Souvenir, a problemática vem do governo e é compreensível as pessoas quererem trabalhar. “Tem que vender mesmo, porque todo mundo precisa de trabalho, precisa botar o pão de cada dia dentro de casa. Para mim os camelôs não atrapalham. Eu acho que o governo tem que botar aquelas tendas bem aqui na frente e levá-los para lá, fazer pelo menos uma tentativa. O governo tem dinheiro para isso.”  

Com o não pagamento de taxas, os vendedores não oficiais oferecem produtos a um preço mais barato, o que os torna uma escolha razoável para quem não pode ou deseja pagar menos nos produtos, estando assim, ligados também pelo público que circula no local.

Produtos vendidos por ambulantes – foto por Eduarda Ayres

Rodoviária do Plano Piloto: um tumultuado ponto de encontro entre passageiros e vendedores. Em meio à correria das milhares de pessoas que circulam pelo lugar, não tem como passar despercebido pela movimentada feira livre, que transforma o ambiente em um “shopping de chão”. É preciso circular, montar e desmontar diariamente. Anunciando seus produtos em voz alta, com suas barracas improvisadas e mercadorias empilhadas, os ambulantes esperam atentamente pelos passageiros apressados.    

São brinquedos, roupas, perfumes, acessórios, alimentos e até eletrônicos, tudo  vendido sem nota fiscal. Porém os ambulantes por conta de situações adversas já se adaptaram a esse ambiente agitado. Com seus olhos em alerta o tempo todo, estão prontos para fugir da fiscalização a qualquer momento.

Recentemente, uma ação do DF Legal com apoio da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) contra os comerciantes no local ganhou grande repercussão devido ao uso desproporcional da força por parte dos policiais. Segundo levantamento parcial, na ação foram apreendidos mais de 2 mil itens comercializados de maneira irregular pelos ambulantes na rodoviária. 

Reportagem especial

Os especialistas explicam a fundo os problemas decorrentes da informalidade. Ouça: 

Por que não formalizar?

Falta de oportunidade no mercado formal e a necessidade de sustentar a família. Esses são alguns dos motivos que impulsionam os ambulantes da Rodoviária do Plano Piloto a saírem de suas casas e lutarem para sobreviver. Em meio a tantas incertezas, suas jornadas de trabalho tornam-se um verdadeiro desafio; desde a instabilidade financeira até a contínua ameaça de fiscalização e repressão por parte das autoridades.

“Está difícil! Essa correria aqui, precisa ficar ligado, olhando de um lado para o outro, e se vacilar, perde. Já tive minhas mercadorias apreendidas”, conta Silvan Ferreira, pai de uma filha de cinco anos, morador de Valparaíso (GO), que tem como única renda de sustento da família a venda de fones e carregadores.

São brinquedos, roupas, perfumes, acessórios, alimentos e até eletrônicos, tudo  vendido sem nota fiscal. Porém os ambulantes por conta de situações adversas já se adaptaram a esse ambiente agitado. Com seus olhos em alerta o tempo todo, estão prontos para fugir da fiscalização a qualquer momento.

Recentemente, uma ação do DF Legal com apoio da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) contra os comerciantes no local ganhou grande repercussão devido ao uso desproporcional da força por parte dos policiais. Segundo levantamento parcial, na ação foram apreendidos mais de 2 mil itens comercializados de maneira irregular pelos ambulantes na rodoviária. 

Nesse sentido, as experiências e opiniões dos ambulantes são fundamentais para compreendermos melhor a realidade e as necessidades desses trabalhadores.

Antônio Souza tem 46 anos e veio do Maranhão para trabalhar no DF. Além de  destacar a dificuldade enfrentada pelos ambulantes e a falta de alternativas oferecidas pelo governo, o ambulante conta sobre a dificuldade de voltar para o mercado novamente. “Não tem qualificação nenhuma para realmente estar trabalhando no mercado normal de trabalho.  Eu mesmo trabalhava na área formal como chefe de cozinha, sou profissional, mas estou desempregado há 2 anos, e agora estou aqui nesta correria na rodoviária. Então não acho que seja complicado, o governo que  realmente não quer agir para ajudar alguns pais de família que trabalham aqui e que necessita.”

A informalidade por vezes limita oportunidades de crescimento e desenvolvimento profissional. Do ponto de vista social, a falta de formalização pode gerar dificuldades para os ambulantes em ter acesso a benefícios sociais e trabalhistas.  

É também o caso do padeiro Manoel Freitas, 58, que ficou desempregado há cinco anos e precisou optar pelas vendas de pochetes na plataforma superior da rodoviária. Ele explica que, por conta da idade, não consegue arranjar emprego com carteira assinada. Além da dificuldade que vem enfrentando nos últimos meses devido à intensa fiscalização. “Está cada dia mais complicado. Não tem como trabalhar como antes. Tenho mulher, filhos e neto para cuidar, preciso trabalhar. É muito constrangimento ficar correndo para cima e para baixo, sendo humilhado. Meu pano tem dois metros por um metro e meio, eu sobrevivo com isso.”

No aspecto jurídico, a ausência da regularização da atividade implica em uma situação de ilegalidade, com possíveis sanções e penalidades, como a apreensão de mercadorias e multas. Francisco Silva, 38, teve seu carrinho e  relata o sentimento de frustração e impotência ao ter seu carrinho de mercadoria apreendido.  Veja abaixo o momento da apreensão:


“Está difícil! Essa correria aqui, precisa ficar ligado, olhando de um lado para o outro, e se vacilar, perde. Já tive minhas mercadorias apreendidas”, conta Silvan Ferreira, pai de uma filha de cinco anos, morador de Valparaíso (GO), que tem como única renda de sustento da família a venda de fones e carregadores.

São brinquedos, roupas, perfumes, acessórios, alimentos e até eletrônicos, tudo  vendido sem nota fiscal. Porém os ambulantes por conta de situações adversas já se adaptaram a esse ambiente agitado. Com seus olhos em alerta o tempo todo, estão prontos para fugir da fiscalização a qualquer momento.

Recentemente, uma ação do DF Legal com apoio da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) contra os comerciantes no local ganhou grande repercussão devido ao uso desproporcional da força por parte dos policiais. Segundo levantamento parcial, na ação foram apreendidos mais de 2 mil itens comercializados de maneira irregular pelos ambulantes na rodoviária. 

“É pegou, perdeu, acabou. Até entendo o trabalho da fiscalização e não contesto, mas acho que eles tomarem as mercadorias, isso não é legal. É uma truculência apreender a mercadoria de quem está trabalhando e não te dar uma segunda chance. Estamos no lado mais fraco da moeda.” 

Diante da insatisfação de ter perdido todos seus produtos, o questionamos: por que não formalizar? “É o sonho de todo ambulante, mas não tem como, eles são radicais. Quando eles arrumam um lugar pra gente é em local que não passa nem mosca. Então o jeito é essa batalha que enfrentamos no dia a dia, o dia todo. Corre, perde, ganha. A gente tem que se acostumar. É uma guerra mesmo.” 

A passageira Meire da Silva Lima, que presenciou a apreensão do carrinho de Francisco, expressou sua indignação com a ação do DF Legal: “Eu fiquei com dó, era o ganha pão dele. Ele vem aqui todos os dias para poder vender e levar renda para casa. Errado eles estão, porque eles estão aí tentando ganhar o seu dinheiro. É uma coisa injusta, cada um tem seus filhos, tem aluguel para pagar, então eles estão correndo atrás”. 

Com o cenário complexo, autoridades locais e federais têm oferecido formas de regulamentar a atividade dos ambulantes informais, como a criação de espaços específicos para sua atuação, a definição de regras claras e o estabelecimento de parcerias com entidades representativas. No entanto, para muitos são vistas como vagas as possíveis soluções que o governo vem apresentando por não destinar um espaço adequado e com circulação de pessoas. “O governo tinha que arranjar um lugar decente para a gente trabalhar, nem que fosse necessário pagar uma taxa. Mas ouvi uns comentários que eles queriam levar a gente lá para antiga rodoferroviária, como já fizeram outra vez, mas não é a solução. Precisamos estar onde tem movimento”, contesta Silvan.  

As vozes ouvidas reforçam a necessidade de buscar soluções que conciliem os interesses dos ambulantes informais com as demandas da sociedade e do mercado formal. É visto como fundamental promover um diálogo aberto e inclusivo, que permita a criação de políticas públicas efetivas e medidas de apoio aos trabalhadores informais, visando assim, a regularização de suas atividades e a garantia de condições dignas de trabalho.

A formalização é um extenso e complexo desafio, mas pode ser abordada de forma mais paciente através da escuta atenta e engajamento entre todos os envolvidos. Dessa forma, contribuindo para a construção de um ambiente mais justo e inclusivo, para que os ambulantes possam exercer suas atividades decentemente.

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